A vida em comunidade, em regra, exige regulação. Na expectativa de que os membros de uma comunidade consigam viver em harmonia, as organizações pelo mundo acabaram por criar conjuntos de direitos e deveres entre as pessoas, seja um tratado internacional, uma constituição, ou até mesmo uma convenção de condomínio.
Vivendo tal expectativa, em havendo aceitação entre as pessoas daquela comunidade, presume-se que os membros seguirão aquelas regras como um fluxo natural. Caso haja descumprimento daquele pacto, surgirão punições aos infratores.
É nesse contexto, portanto, que se inserem as multas nos condomínios. Partindo-se desses pontos básicos será possível entender a aplicação do direito imobiliário e condominial no que diz respeito às multas e como a administração pode aplicá-las de modo adequado frente às infrações dos condôminos – ou, do contrário, transformar a prática de multas em uma nascente de nulidades.
Se há uma expectativa de seguir-se um fluxo natural de obediência às regras da Convenção, do Regimento Interno e das deliberações da Assembleia do condomínio, pode-se dizer, de início, que multa exerce papel excepcional. Desse modo, não pode – na verdade, não deve! – a administração do condomínio transformar a multa em instrumento de arrecadação.
De igual modo, a multa pode cumprir diferentes papéis no condomínio. No atraso de pagamento da cota condominial, o condômino ficará sujeito a juros moratórios e multa. Bastará a efetiva ausência de pagamento no prazo para a incidência de tal tipo de punição. Aqui é interessante pontuar que os tribunais têm admitido que as convenções estipulem valores desse tipo de sanção maiores do que os disciplinados pela lei. Cabe, portanto, aos condomínios manterem suas convenções bem atualizadas frente às atualizações legislativas.
Outra categoria de multa, que aqui exige mais cuidado, é aquela vinculada ao descumprimento de outros deveres condominiais, como as infrações de obras, perturbação do sossego, risco à segurança, etc. De acordo com a lei, tais tipos de multa devem ser aplicadas até o limite de cinco vezes o valor de uma cota mensal de condomínio.
Nesse sentido, ainda é possível enxergar convenções que estipulam valores maiores do que o legal, o que poderá repercutir em nulidade da aplicação da multa.
Se o pressuposto da aplicação da multa é o descumprimento das regras, percebe-se que o condomínio deve ter clareza em sua convenção justamente sobre as regras do jogo. Dessa maneira, a aplicação de multas deve se dar de acordo com uma convenção que delimite bem os descumprimentos de deveres. Do contrário, abre-se oportunidade para se questionar a validade da multa.
Por fim, mas não menos importante, as aplicações de multa são consideradas punições. Por conta disso, a interpretação do direito condominial em muito tem seguido as regras constitucionais de contraditório e de ampla defesa. Autores jurídicos de renome têm sustentado, com acerto, que a administração do condomínio deverá respeitar o contraditório e a ampla defesa. Isso significa que um condômino deve ser devidamente notificado das infrações supostamente cometidas, bem como ter prazo adequado para apresentar sua defesa frente à assembleia condominial. A ausência de tais procedimentos tem levado diversos condomínios à justiça, com anulações de multas.
Conhecer do regime de multas é essencial para a boa aplicação das sanções em um condomínio. Pode-se ver que, ao entender os princípios básicos desse instituto, o condomínio estará bem resguardado em sua atuação frente aos condôminos. E o principal – evita-se nulidades por erros de procedimento.
Tiago Almeida Alves é colunista do Empresta Condo, advogado formado pela UFBA, pós-graduado em Direito Imobiliário, Urbanístico, Registral e Notarial pela UNISC-RS, membro da Comissão de Condomínio do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM), e atualmente cursa o MBA em Gestão de Escritórios de Advocacia e Departamentos Jurídicos na Baiana Business School (Faculdade Baiana de Direito). Contato: tiagoalmeidaalves.adv@gmail.com